Punk Rock Latino é uma recusa à sua aprovação

Quando publicamos aqui na MADM a matéria sobre como Bad Bunny vem sendo um símbolo de empoderamento na indústria musical, abordamos o fato de que latinos precisam se encaixar em uma lista de exigências estéticas e estereotipadas para poder fazer parte do jogo.

Hoje, volto a tocar nesse ponto, mas, dessa vez, falando como o mundo observa essas pessoas ganharem espaço nas plataformas globais, esperando que boa parte do que se intitula “latino” sirva sempre o mesmo cardápio: ritmos embalados, estética palatável, aparência higienizada e letras que falem de sofrimento e temas de cunho sexual.

Isso não apenas reduz a complexidade das identidades latinas, como também mantém preconceitos e desigualdades. Mas aí essa ideia toda vira pó porque, paralelo a isso, temos o punk rock latino que segue pulsante e vivo.

Para a infelicidade de muitos, não para agradar, menos ainda para ser bonito. Está aqui, no caso, para mexer com sua zona de conforto e fazer seu ouvido sangrar com verdades doloridas, mas que precisam ser ditas.

Muito antes das grandes gravadoras, “ele” já circulava em espanhol e português pelas garagens, becos e centros culturais da América Latina. Era, e continua sendo, um grito rasgado, geralmente voltado à crítica social, mesmo que à margem das playlists mais acessadas.

Raiz política, prática radical e estética de recusa

Desde as primeiras bandas que surgiram lá nos anos 80 até as formações mais recentes, o punk latino-americano se mantém como movimento feito por e para quem já entendeu que o sistema não tem planos de se importar com sua existência. No Chile, o Fiskales Ad-Hok deu voz à geração sufocada por Pinochet.

No México, Los Cogelones falam sobre o empoderamento de uma identidade que se manteve invisível nos últimos 500 anos, misturando rock/punk de forma experimental e misturando com instrumentos da cultura Mexica.

No Brasil, o movimento floresceu com força nas periferias, principalmente em São Paulo. Bandas como Cólera, Garotos Podres, Lobotomia e Ratos de Porão deram um grito coletivo contra a desigualdade, a violência e a moral hipócrita de um país que, por vezes, se orgulha do caos.

A banda Cérebro de Galinha, do Pará, por exemplo, deixa claro com sua sonoridade que não está ali para entreter. Em vez de riffs limpos e versos bem calculados, eles atiram contra a busca pelo “underground gourmet”. Já Os Replicantes, do Sul, cantavam (e cantam) com foco em rebeldia, contestação social, liberdade feminina e crítica às normas culturais

Se o mercado ignora, nem sempre é falta de valor

Mesmo com décadas de existência, o punk latino segue fora das grandes premiações, dos grandes festivais e das listas de curadoria das plataformas de streaming. Em muitos casos, não é por falta de público ou qualidade musical, é por uma ESCOLHA.

A lógica por trás disso não é escalar um single para o topo do TikTok e virar trend, mas, sim, criar espaços de resistência real, como casas coletivas e redes DIY que mantêm esse ecossistema respirando.

É completamente o oposto de tudo aquilo que transforma toda crítica em tendência e todo protesto em estética. Enquanto o pop latino muitas vezes opera por dentro de um sistema para alterá-lo, o punk prefere queimar de fora pra dentro.

No fim, o problema nunca foi o som alto, mas sim o silêncio ensurdecedor. O punk latino continua onde sempre esteve: nos porões, nos barracos, nos palcos improvisados, na contramão. Aqueles que procuram beleza, encontrarão ruídos. As pessoas que querem um carinho no ego, ouvirão confronto.

E aqueles que esperam por um conceito coeso e de fácil entendimento, encontrarão cartazes distorcidos, camisetas manchadas e muita, muita resistência e paixão por algo que não é explicado facilmente. E talvez por isso continue tão necessário, já que o punk rock latino não pede a sua aprovação, pede sua compreensão.

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