Bad Bunny e a (des)Americanização Afrontosa do Pop Global

Durante décadas, ser latino no mainstream global significava ter que se encaixar em uma lista de características, marcando um ‘check’ em cada uma delas. Uma espécie de filtro estético, linguístico e cultural cruel, frio e estereotipado. Era preciso suavizar o sotaque, aprender a falar e cantar em inglês. A fórmula era clara: se quiser entrar, vista a fantasia e deixe seu sotaque, suas cores, seu idioma e identidade, lá fora.

Mas aí, Bad Bunny veio sem pedir licença. Com ele, o reggaeton de mãos dadas, que por tanto tempo foi empurrado para os cantos das boates e visto como uma música “chula”. Bad Bunny veio sem legenda. Sem tradução. Quer entender? Traduza você. É basicamente isso que ele diz.

Enquanto muitos artistas latinos das gerações passadas foram seduzidos (e forçados) a jogar o jogo nojento da americanização para alcançar relevância global, Benito Antonio Martínez Ocasio fez exatamente o oposto. Ele recusou a tradução cultural. Rejeitou ser “lapidado”, sem medo de perder contrato.

“Mas o nome artístico dele é em inglês!”
Exato!
Em vez de se encaixar no modelo imposto, fez o modelo se curvar à sua existência.
É sobre usar a máquina contra a máquina. E ser latino não é sinônimo de exótico, subproduto, ignorância e sotaques forçados.

Benito é também um lembrete: a colonização não acabou de uma forma tão direta com a independência e cultura dos países latinos. A verdade é que ela se sofisticou. Ela agora se esconde nos moldes do mercado, na ideia de que só é “universal” aquilo que se expressa em inglês, com estética impecável, agradável aos olhos e comportamento engessado.

Porém, no dia 7 de abril de 2025, ele fez sua estreia no projeto Tiny Desk da NPR Music. Um acústico que celebrou escrachadamente suas raízes porto-riquenhas. Foi acompanhado por músicos locais, interpretou cinco faixas de seu álbum mais recente (que explora, sem medo e sem pudor, gêneros como plena, bomba, décima e salsa).

Pela primeira vez, vimos o Tiny Desk adornado com bandeiras porto-riquenhas confeccionadas pela artista Milagros Rosado, trazendo o azul-claro, associado ao movimento independentista da ilha. Entre as músicas, Bad Bunny compartilhou reflexões sobre a resistência cultural de Porto Rico e reafirmou seu compromisso com a identidade e o orgulho das suas origens.

Um ocorrido mencionado por ele em meio ao acústico (e que aquece nossos corações e diz muito mais do que mil palavras e protestos seriam capazes), é que por ausência de um local para ensaiar em Washington, Bad Bunny e a equipe decidiram praticar “LO QUE LE PASÓ A HAWAii” em frente à Casa Branca.

Um funcionário dali, atraído pela música, parabenizou e perguntou se eram porto-riquenhos. Esse encontro levou o artista a refletir sobre o status colonial de Porto Rico, destacando que, embora os porto-riquenhos não possam votar para presidente dos EUA, ainda estão sujeitos às suas ordens.

A apresentação no Tiny Desk não apenas destacou a versatilidade musical de Bad Bunny, mas também serviu como uma plataforma para enfatizar a riqueza cultural de Porto Rico e discutir questões políticas pertinentes à ilha.

A sua visibilidade cada vez maior, não é SÓ uma vitória pessoal, mas é uma faísca da descolonização. Uma provocação para questionarmos o que consumimos, o que produzimos e, PRINCIPALMENTE, o que consideramos “aceitável”. Uma reflexão: por que ainda nos sujeitamos a agradar? A apagar nossas cores e nos padronizar?

O futuro de nós, latinos, de fato é curioso e talvez com um pouco mais de ruídos do que gostaríamos de admitir. Mas, se temos Bad Bunny que fala espanhol, desafina por pura marra e ainda faz crítica social enquanto canta, dança e se diverte, quem somos nós para negarmos nossas origens?

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