Como tudo que é bom tem um fim, Ozzy está se despedindo – infelizmente. A autenticidade dele o transformou em referência não só para o heavy metal, mas para toda uma geração que viu no rock um espaço para dizer o indizível. Fica talvez até difícil de explicar para nossos irmãos mais novos, sobrinhos, colegas ou amigos, o peso disso.
De qualquer forma, essa despedida está ocorrendo sem floreios e imagem polida, mas do jeito que sempre foi: direto, honesto, sem fazer questão de parecer simpático e menos ainda socialmente aceito. Aos 75 anos, o nosso Príncipe das Trevas enfrenta problemas sérios de saúde e já vinha a um tempo cancelando turnês e aparições ao vivo.
Ele está corretíssimo. Afinal, o tempo de todo mundo passa e com ele não seria diferente. Mas, talvez, junto com Ozzy, também esteja indo embora uma geração inteira de artistas que diziam o que queriam, sem medo de marcas, de haters, de perder contratos ou seguidores.
Desde os tempos de Black Sabbath, ele sempre foi um provocador nato. Ozzy nunca foi daqueles artistas planejados; ele sempre foi muito mais bruto, beirando o ingovernável. Não apenas dizia o que pensava: vivia tudo o que pregava. Se jogou em exageros, chocou conservadores, foi piada, foi gênio, foi autêntico e, justamente por isso, se tornou ícone. Não é que Ozzy sempre teve razão, mas é que ele nunca tentou parecer alguém que não era.
Até no caos, dignidade
Nos últimos anos, Ozzy lidou com uma série de problemas de saúde, incluindo a doença de Parkinson, lesões na coluna vertebral e dificuldades de mobilidade. Ele já chegou a dizer: “Não quero subir ao palco parecendo um idiota.”

Essa honestidade brutal é rara. Vivemos a era dos anúncios ensaiados no feed e do “textão” de PR. Ozzy, mesmo fragilizado, continua sendo a exceção. Ele poderia encenar uma última turnê e lucrar com a nostalgia, mas preferiu não enganar ninguém. E isso, indiretamente ou não, já diz muito.
No dia 5 de julho de 2025, no Villa Park, em Birmingham, aconteceu o show de adeus: o evento “Back to the Beginning”. A formação clássica do Black Sabbath subiu ao palco pela primeira vez em 20 anos, com Ozzy sentado no trono de morcego devido ao Parkinson e visivelmente fragilizado, mas ainda firme, ali. O show contou com um line‑up de cair o queixo de qualquer fã: Metallica, Guns N’ Roses, Slayer, Pantera, Tool, Gojira, Alice in Chains, Lamb of God, Anthrax, Mastodon, Rival Sons e muitos outros, além de nomes como Lzzy Hale, David Draiman, Steven Tyler, Tom Morello, Yungblud e Billy Corgan.
O doloroso silêncio da nova geração
O adeus de Ozzy nos obriga a encarar uma pergunta que talvez estamos evitando a algum tempo: onde estão os artistas que se posicionam?
A cada nova geração de grandes nomes da música, a cada nova leva, a galera parece cada vez mais preocupada com gestão de imagem e contratos. A liberdade criativa virou indubitavelmente produto, e a tal “rebeldia” virou somente uma estética. Nós até vemos artistas se posicionando, mas só até certo ponto. Críticos? Sim, mas sem bater de frente. Nomes que calculam cada passo como CEOs.
O medo da cultura do cancelamento, somado à lógica das redes e à necessidade de manter tudo nos conformes, agradando todo mundo, cria um ambiente onde a espontaneidade morreu sufocada por media training. Talvez estes artistas não estejam tão errados. Afinal, o custo de se ter coragem o suficiente para se posicionar, é um tanto quanto alto.
O possível fim dos anti-heróis
Ozzy não era um herói. É, com toda certa, até hoje um homem cheio de falhas. Mas talvez seja disso mesmo que estamos tão carentes. Faz tempo que não esbarramos em personalidades que fazem a gente parar e pensar: “Caralh*, isso tudo realmente precisava ser dito”.
Atualmente, exige-se do artista coerência absoluta, pureza moral, comportamento exemplar. Mas a arte, principalmente aquela que é disruptiva e tem grande chances de mudar vidas, nunca nasce da perfeição. Ela muitas vezes vem daquele soco no peito, daquela epifania, do pé na porta de quem faz o que precisa ser feito.

Com Ozzy deixando os palcos, a sensação é de que não estamos apenas nos despedindo de uma lenda do rock, mas também enterrando o direito de dizer o que se pensa e viver à sua forma sem a necessidade de pedir desculpas depois, menos ainda sem medo de desagradar.
Ainda temos alguns artistas assim? Felizmente, sim! E para esses, nosso MUITO obrigado por tocar na ferida, sempre levantando pautas relevantes e falando aquilo que muitos não têm coragem – e nem voz.
Mas e futuramente como ficaremos? Talvez tenhamos um problema maior do que parece. A arte precisa de vozes incômodas. E se elas estão sumindo, talvez seja hora de perguntar: estamos realmente valorizando artistas que ainda ousam ter voz?