K-pop além da música: a indústria do consumo e descarte

O ato de colecionar sempre fez parte da cultura dos fãs. De quadrinhos a figurinhas, manter uma coleção envolve investimento de tempo e, principalmente, de dinheiro. Mas quando esse hábito se cruza com estratégias de marketing agressivas, o resultado pode ser consumo em excesso, desperdício e impactos ambientais. Esse é o cenário atual da indústria do K-pop, que se tornou um dos maiores símbolos do consumismo global.

O marketing agressivo da indústria do K-pop

A prática de estimular fãs a consumir em excesso não é nova, mas ganhou proporções inéditas com o K-pop. Álbuns recheados de brindes, pelúcias, lightsticks e os famosos photocards — pequenas fotos colecionáveis dos integrantes — são pensados para multiplicar as vendas. Como cada álbum traz apenas um photocard aleatório, fãs compram diversas cópias em busca de completar a coleção ou conseguir o card do seu integrante favorito.

Essa lógica se repete nas chamadas fancalls, videochamadas exclusivas com idols, para as quais a entrada geralmente depende da compra de grandes quantidades de álbuns. O consumo, nesse caso, não é motivado pela música, mas pelo acesso simbólico ao artista.

O descarte em massa de álbuns físicos

O problema é que, após conquistar o photocard desejado ou garantir a participação em um evento, muitos fãs acabam se desfazendo dos álbuns excedentes. Alguns revendem por preços simbólicos, mas milhares são simplesmente jogados fora. Pilhas de CDs descartados já foram registradas nas ruas da Coreia do Sul, levantando preocupações sobre o impacto ambiental.

De acordo com um relatório de 2024 da Korea Creative Content Agency (KOCCA), apenas 8% dos sul-coreanos utilizam os álbuns físicos para ouvir música. O objetivo principal da compra deixou de ser a experiência musical e passou a ser o colecionismo e o apoio comercial aos artistas.

Charts, vendas e o capitalismo do K-pop

Outro fator determinante é a corrida pelos charts. Fãs compram múltiplos álbuns para impulsionar as vendas de seus grupos favoritos, ajudando-os a alcançar posições mais altas no Circle Chart (principal rastreador sul-coreano). Segundo o próprio Circle Chart, as vendas de álbuns físicos quase triplicaram em três anos, atingindo 119 milhões em 2023.

Esse crescimento impulsionou também a receita global de álbuns físicos, que subiu 13% no mesmo ano, segundo o relatório Global Music Report da IFPI. Mas por trás desse sucesso comercial, está o acúmulo de resíduos. Dados do parlamentar sul-coreano Woo Won-shik revelam que a quantidade de plástico usada na produção de álbuns de K-pop chegou a 800 toneladas em 2022, 14 vezes mais do que em 2017.

A questão já foi levada ao Parlamento sul-coreano, em reuniões do comitê de meio ambiente e trabalho. Ainda assim, as agências de entretenimento não demonstram intenção de reduzir essa estratégia, uma vez que ela garante lucro e visibilidade internacional. O modelo de negócios, baseado em consumo em massa e descartabilidade, segue como uma engrenagem lucrativa do capitalismo cultural.

A influência global do consumismo no K-pop

Embora o fenômeno seja mais intenso na Ásia, ele também impacta fãs ao redor do mundo. No Brasil, por exemplo, grupos de fãs organizam compras coletivas para importar álbuns e itens oficiais a preços mais acessíveis. O comércio paralelo de photocards, álbuns e lightsticks nas redes sociais também se tornou parte do ecossistema de consumo.

O crescimento das vendas físicas do K-pop é frequentemente celebrado como sinal de sucesso global, mas por trás dos recordes se escondem desperdício, acúmulo de plástico e descarte em massa. Esse modelo reforça o lado mais agressivo do capitalismo cultural: o consumo não pela música em si, mas pela ilusão de proximidade com o ídolo e pela pressão dos charts.

Enquanto fãs e parlamentares levantam preocupações, as agências seguem explorando o desejo de colecionar e apoiar artistas. O desafio agora é refletir sobre até que ponto esse consumo é sustentável para os fãs, para o meio ambiente e para a própria indústria musical.

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