Desde os anos 60, o rock serve como uma ferramenta de denúncia, contestação e provocação. Mas, ironicamente, ainda é um tabu termos mulheres fortes e maravilhosas lutando para ter espaço no meio e, tudo fica ainda mais intenso, quando elas CONSEGUEM o destaque suado e merecido.
A mesma luta cansativa de sempre
Mesmo estando há muito tempo arrasando com guitarras e gritando em microfones com pura fúria e talento, hoje continuam sendo silenciadas e, muitas vezes, não apenas pela indústria musical, mas também por um público misógino que insiste em encaixar mulheres apenas no papel de groupies, fãs histéricas e sonhadoras ou divas do pop.
É algo PARECIDO com que muitas jornalistas enfrentam, sabe? Como quando são rotuladas de “tietes”, sendo que estão lá simplesmente porque têm algo a mostrar ou dizer, e que são consideradas “menos conhecedoras” de música justamente por serem mulheres (quem de vocês nunca ouviu o “me diz o nome de três músicas da banda x”, quando estava só tentando existir em paz?).
Isso tudo muitas vezes segue um padrão cansativo e enjoativo: bandas femininas são desacreditadas, subestimadas e ignoradas. Muitas, inclusive, são engolidas por um mercado que quer as ver dóceis, sensuais, comportadas e submissas. Gritar demais é um problema, ser bonita demais é um problema, não se arrumar é um problema, cantar bem é um problema, sorrir demais é um problema, sorrir de menos é um problema. Realmente, desse jeito, ser mulher é um problemão mesmo.
É comum que passem anos no empurra-empurra pelo sucesso na cena under, mesmo com o som redondinho dentro de suas propostas, letras afiadas e um público fiel.
De qualquer forma, essa história de resistência tem raízes já antigas. Nos anos 70, quando as The Runaways surgiram com uma atitude que desafiava os egos masculinos frágeis da época, foram recebidas com desconfiança, piadas e uma quantidade IMENSA de assédio. Eram chamadas de “garotinhas brincando de rock”, não somente por críticos e pelo público, mas também por ditos “colegas” da cena musical.
A Joan Jett mesmo precisou criar o próprio selo pra conseguir fazer muita coisa acontecer e, graças às Deusas, não parou mais. Junto delas, temos a Fanny, formada também só por mulheres, que foi uma das primeiras a assinar com uma gravadora de peso e a lançar álbuns de rock autoral. Ainda assim, são quase totalmente ignoradas pelos registros “oficiais” da história do rock. Talvez não fosse suficiente Fanny tocar com peso e presença, afinal, não eram homens.

E antes mesmo de toda a explosão do grunge em Seattle, nos anos 90, já existia Tina Bell, vocalista da banda Bam Bam, gritando verdades em cima de palcos nos anos 80. Mulher preta, poderosa e absolutamente pioneira, Tina estava lá antes de nomes como Pearl Jam, Soundgarden e Nirvana sequer existirem. Ainda assim, sua presença histórica segue sendo apagada das narrativas mais populares sobre o nascimento do movimento. Não por falta de talento, mas, provavelmente, por excesso de preconceito.
Na Europa, a Doro, ex-vocalista da Warlock, também bateu de frente com os estereótipos do heavy metal nos anos 80 trazendo uma voz potente, carisma e uma presença de palco surreal, enfrentando o machismo com perseverança e recebendo com honrarias o título de “A Rainha do Heavy Metal”.
Aqui no Brasil, essa luta ainda é muito presente com grupos como Malvada, Nervosa, Crypta e tantas outras que são constantemente vítimas de olhares machistas disfarçados de “análise técnica”.
No cenário global atual, a energia crua das Lambrini Girls berra contra o sexismo, a transfobia e o conservadorismo. Ainda assim, duvido que elas não enfrentam aquela pergunta que dificilmente uma banda masculina, inserida exatamente no mesmo contexto, ouve: “Quem deixou elas subirem ali?”
A importância de homens se posicionarem
É por isso que momentos como o protesto do Nirvana nos anos 90 ainda ecoam forte no inconsciente coletivo de todas nós, simples garotas amantes da música.
Em um show, a banda de abertura Calamity Jane, que – adivinhem só? – era formada por mulheres, foi vaiada por parte do público. Ao subir no palco, Kurt e os demais não hesitaram em denunciar o machismo da plateia e reafirmar que aquele comportamento era inaceitável. Foi simbólico e necessário. E continua sendo.
É preciso que os homens, especialmente aqueles que já têm espaço e voz, usem esse incrível privilégio pra abrir caminho em meio à mata fechada. Não é, nunca foi, e nem vai ser, sobre “ceder lugar” ou “competir”, mas, sim, sobre reconhecer algo que nunca foi dividido de forma justa. É muito sobre aquela questão de reconfigurar o backstage, o line-up, as rodas de conversa e assim por diante, pra que se torne sobre ouvir, indicar, convidar, e se calar se nada tem de positivo a acrescentar.
O que nos incomoda não é uma reclamação quase infantil de “ain, são homens dominando os palcos”. O que incomoda é ver que muitos não querem dividir o espaço, se autopromovem entre amigos, e ainda dizem que “banda XYZ só chama atenção porque tem mulher, claro!”.
E aí, enquanto isso, o público majoritariamente feminino segue faminto por vozes que FALEM com sua raiva e suas contradições. E elas existem, logicamente. Mas estão muitas vezes no palco menor, no horário de menor visibilidade, no flyer sem destaque. Não é sobre de caridade, é sobre reconhecer a potência real, artística, política e emocional dessas mulheres. O futuro do rock (porque, sim, tem coisa muito boa rolando por aí), depende do quanto estamos dispostos a REPENSAR quem tem voz.

E a sua parte, você tá fazendo?
Se mulheres estão gritando, é porque pedir licença talvez já não funcione mais. E, nós quanto mulheres (e homens, sintam-se à vontade também, pra participar), precisamos nos atentar na questão de que temos um papel fundamentalmente relevante em toda essa história: apoie a banda da sua prima; vá a eventos organizados e criados por mulheres; contrate mulheres técnicas; apoie zines/páginas criadas por mulheres; coletivos criados por e para mulheres; engaje sua amiga artista, jornalista, qualquer coisa que seja.
Empoderar, criar uma resistência, não tem que ser só discurso, tem que ser uma prática diária (adotem isso como um mantra).
E isso vai muito além da indústria musical: é não falar da roupa da colega, é ouvir, acolher e respeitar. Seja de forma literal ou não, a sororidade – essa palavra linda – só começa a fazer sentido quando uma mulher segura o microfone pra outra gritar.