É crescente o número de bandas e artistas independentes brasileiros cantando em inglês. Quando nos deparamos com esse tipo de situação, é impossível não pensar: será que o Brasil realmente está valorizando seus músicos?
O inglês como estratégia de sobrevivência
Em um país onde o apoio à cultura é escasso e a desigualdade é a responsável por ditar tudo o que chega aos ouvidos do grande público, cantar em inglês deixou de ser uma simples estética para se tornar, muitas vezes, uma estratégia de atingir públicos maiores.
Nós crescemos ouvindo que saber falar inglês é um indicativo de instrução avançada e inteligência mediante ao mercado, independente do nicho. Logo, o idioma internacional mais hypado do mercado é visto por muitos como uma porta de entrada para festivais estrangeiros, selos gringos e audiências que, somente aí, estariam mais dispostas a pagar e a ouvir o que aquele artista tem a dizer.
Muitos destes (artistas), inclusive, vêm de contextos populares, periféricos, ou regionais e sabem que, para romper a bolha, talvez seja preciso passar por cima do seu próprio sotaque e língua materna.
“Ser brasileiro demais” ainda é um problema, na visão de muitos

Enquanto os gringos se encantam com a nossa pluralidade sonora e nossa personalidade “alegre e exótica”, o público interno infelizmente torce o nariz quando a estética não se encaixa no que se espera de um “artista nacional”. No nosso próprio país, ser brasileiro demais pode custar caro. Ou seja: pode custar o play, a monetização, o espaço em festival, gravadora e até a curiosidade da imprensa.
Essa contradição é antiga e hipócrita, já que exportamos grandes ícones e ignoramos os talentos emergentes do mercado. Para os que tentam furar o cerco, cantar em inglês vira um passaporte cultural, mesmo que à custa da própria identidade.
Segundo a opinião de Apolo Onzi, vocalista da Bordogos S/A, que está na estrada há mais de 10 anos, o que acontece é que:
“Cantar em inglês é legal, desde que a música peça por isso. Forçar o uso do inglês para se enquadrar em alguma exigência, simplesmente mata a criatividade.”
Não é vergonha nenhuma cantar em inglês
Esse texto não é uma crítica ao idioma, menos ainda à quem o canta. O inglês pode ser ferramenta de liberdade e respiro artístico. Mas quando a escolha nasce da necessidade de parecer “internacional” para ser ouvido dentro do próprio país, temos um problema. Dos grandes.
Até porque, parece muito mais fácil um artista independente do Brasil ser descoberto por um selo de Berlim do que por uma rádio de São Paulo. A crítica aqui não é a quem canta em inglês, mas à estrutura que força essa decisão em vez de enaltecer o que temos de mais rico culturalmente.
E o que estamos fazendo com quem canta em português?
Enquanto isso, artistas que seguem firmes cantando em português, misturando ritmos regionais, líricas urbanas e sonoridades experimentais, muitas vezes seguem invisíveis, tocando para vinte pessoas em um bar ou lançando discos engolidos pelo limbo digital e que, muitos casos, nem sua própria família ouve. Se o Brasil se orgulhasse da própria música como deveria, o inglês seria só mais uma escolha e não uma necessidade.