O retorno do analógico como resistência sonora

Em tempos em que os algoritmos preveem nossos gostos e muitas vezes ditam o que devemos consumir, coisas aparentemente ultrapassadas vêm ganhando força entre a geração atual, servindo como um bálsamo para os amantes do vintage: o som analógico. Vinis, fitas cassetes e até mesmo os CDs (em alguns casos) estão despertando interesse e ressurgindo não apenas por nostalgia ou curiosidade, mas também como forma de resistência.

É também um cansaço, um protesto ao superestímulo de tudo aquilo que é 100% digital. Por isso, podemos caracterizar esse movimento como uma forma de resistência sonora. No Brasil, em 2024, as vendas físicas de música cresceram significativamente, com o vinil liderando o mercado e representando 76,7% do faturamento.

O que pode justificar esse retorno?

Muitas pessoas dizem ser uma resposta direta a esta era de overdose de informações. Em um mundo onde todos estão conectados 24h por dia e praticamente não existe mais o “sair e entrar da internet”; onde músicas, imagens e vídeos são consumidos com uma velocidade assustadora e esquecidos no minuto seguinte, o analógico oferece uma escuta mais lenta, intencional e sensorial.

Conversando com o Caio Cesar do @discosetc, colecionador de vinis e grande entendedor do assunto, ele levanta um ponto interessantíssimo:
“O público, muitas vezes como forma de querer pertencer a um movimento, acabou se identificando com essa “nova” tendência e rotina de ter a música em suas mãos, folhear um encarte, manusear os discos e com isso deixar a mesmice do digital e seu algoritmo.”

É como se, depois de tanta informação acelerada, a música estivesse sendo de fato ouvida pela primeira vez. Nas plataformas digitais, pulamos de uma música para outra com uma pressa quase inconsciente. Com o disco, conseguimos sentir, entender e apreciar a arte meticulosamente construída pelo artista, bem como todo o seu conceito.

É óbvio que também existe toda a estética cool por trás do analógico, mas isso também está ligado ao afeto sensorial que ele proporciona: cheiro, textura, peso e emoções que vão além do arrepio. É algo muito semelhante ao cheiro de livro novo.

A sensação da fita que enrola, do vinil que risca, do som que falha, faz parte de uma experiência humana, imperfeita e real, que nos coloca com os pés no chão, mesmo que por alguns minutos.

Existe ainda um movimento bonito, e talvez ainda um pouco tímido, de bandas independentes que optam por gravar e distribuir em fitas ou rolos analógicos. Elas enxergam nisso uma forma de escapar do circuito cruel do streaming e reafirmar uma produção DIY, de proximidade, tato humano e resistência cultural.

A lógica digital, que para te oferecer aquilo que mais combina com seu gosto se orienta totalmente por métricas de likes e tendências, gera um cansaço silencioso. O “estresse digital” e a “fragmentação de atenção” já são vistos como problemas reais e presentes no nosso cotidiano.

Nesse contexto, o analógico ressurge das cinzas como um refúgio e um manifesto tranquilo – quase silencioso – contra a velocidade, os pacotes prontos e tudo aquilo que nos é algoritmicamente mastigado.

Em 2025, o som imperfeito tem sido visto como o mais autêntico, e a fita que enrola (que antes causava um ataque de nervos em muita gente) hoje pode ser, curiosamente, o caminho mais direto de volta à essência humana e aos prazeres mais simples e atemporais.

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