Entre risadas, histórias e reflexões, conversar com La Inquisición é tipo assistir a uma jam session em tempo real, já que tudo flui sem ego, sem ensaio e com muita presença. A banda conversou conosco com a mesma energia que leva para o palco: direta e disposta. Mesmo com o tempo curto, o bate-papo rendeu uma ótima pauta sobre cantar em espanhol em um mercado acostumado a buscar artistas que cantam em inglês, histórias inusitadas, a estética do novo videoclipe e, claro, o primeiro show em território brasileiro, que ocorre no dia 06 de novembro em São Paulo. Leia abaixo:
MADM: Vocês estão preparando um novo videoclipe. Como foi todo o processo criativo? Teve alguma referência ou inspiração especial para a estética?
WILLY: Bom, por mais que pareça estranho (que para nós não é), a gente se inspirou nas vibes da Madonna de muitos anos atrás, vocês vão entender o porquê quando o clipe sair. Também queríamos dar um pequeno aceno a isso, que a gente já tinha trabalhado antes. Nesse caso, o tema é um pouco mais sério, e lembramos que, até onde eu me recordo, nunca tínhamos feito um videoclipe em preto e branco. Então, basicamente, é… de imagens em preto e branco e… não posso dar mais pistas por aqui.
RUBÉN: No momento estamos editando o material, então nem sabemos direito como vai ficar. Mas… Madonna, Ray of Light… é mais ou menos por aí.
MADM: O show em São Paulo vai ser a primeira vez de vocês no Brasil. O que esperam dessa experiência e como enxergam a cena punk brasileira em comparação com a espanhola? E já aproveitando, tem alguma banda brasileira que vocês curtem ou acompanham?

MONTORO:
Bom, de bandas brasileiras… Ratos de Porão, cara… Garotos Podres também… Olho Seco… Na verdade, a conexão entre o Brasil e o La Inquisición sempre teve algo especial, graças ao Mauricio, um amigo nosso que era brasileiro e, infelizmente, já não está mais conosco. O negócio é que esperamos… não sei, é a nossa primeira vez no Brasil, estamos muito animados, é a primeira data da turnê, então não sei, esperamos ver como é a cena por aí, deve ser incrível. Estamos muito ansiosos para ir e, basicamente, é a primeira vez, então… não podemos dizer muito, só que estamos ansiosos para chegar.
RUBÉN: Ah, e… vamos lançar uma versão de Tim Maia em breve na internet, que está em um disco que é uma homenagem ao nosso colega Mauricio.
MADM: Desde que começou o La Inquisición, como vocês sentem que o som da banda evoluiu? O que mudou na forma de compor e nas letras ao longo do tempo?
RUBÉN: Essa eu mesmo me pergunto e já respondo (risos). Bom… na forma de compor e nas letras praticamente não mudou nada.
MONTORO: Ia dizer ‘nada’ (risos).
RUBÉN: Seguimos no mesmo espaço… (risos). Não, eu… eu acho que… bom…
MONTORO: Raúl é a única coisa que mudou.
RUBÉN: Na forma de compor, não mudamos nada. A fórmula continua mais ou menos a mesma, então o som… ele foi mudando, principalmente porque os temas foram mudando também. Antes era tudo mais direto, músicas mais curtas. Nesse último disco, os temas são mais longos, mas talvez no próximo não sejam. Não planejamos muito as coisas, mas no som… do primeiro disco para o último dá para notar uma melhora: vamos com mais energia, mais vontade. No último disco também reservamos bastante tempo para amadurecer o trabalho, fazer uma pré-mistura… E em relação às músicas, a fórmula segue mais ou menos a mesma. A gente não se planeja demais, vamos conforme dá, então o próximo… vai saber, né?
WILLY: Principalmente, uma coisa sobre os temas: a gente cria a música, e se não encaixar na terceira vez que tocamos, vai para o armário… o ‘armário de pensar’ (risos).
Quando terminarmos essa maravilhosa turnê, que nos levará a São Paulo, entre muitos outros lugares… queremos começar a compor de novo, colocar a roda para girar para… bom, para fazer um próximo disco.
Rubén.
MADM: Com “Mundo Invisible” recém-lançado em 2024, qual é o próximo passo para vocês? Já tem projetos novos ou colaborações à vista?
RAUL: Bom…
MONTORO: Além da colaboração com a Rosalía (risos)
RUBÉN: Mas, Willy… Willy, você não aparece, hein…
RAUL: Não… não… não vamos falar sobre isso, não queremos tirar proveito disso. Mas, basicamente, vamos continuar tocando nos lugares que já tocamos. Ainda temos muitos países e muitos lugares para ir, e realmente queremos começar a trabalhar em… novas ideias e novas músicas, que é o que realmente queremos fazer.
RUBÉN: Sim, quando… quando terminarmos essa maravilhosa turnê, que nos levará a São Paulo, entre muitos outros lugares… queremos começar a compor de novo, colocar a roda para girar para… bom, para fazer um próximo disco.
WILLY: Sim, porque temos bastante coisa para dizer (risos).
RUBÉN: E não coisas muito boas de muita gente (risos).
MADM: Após tantos anos na estrada, como vocês vivem a conexão com o público em diferentes países? Teve algum momento ou reação do público que ficou marcado para vocês?

WILLY: Bom, eu tenho que dizer que todos nós… bom, principalmente eu e o Rubén, que somos os mais ‘senhores’ do grupo, estamos na estrada há um tempão… e eles também não são novatos, muito pelo contrário. Sempre temos muita vontade, a mesma vontade de tocar de sempre. Continuamos dormindo em lugares meio duvidosos no quesito limpeza, mas não tem problema, a gente adora, e comer umas comidas estranhas… onde tivemos muitas experiências… na verdade, a gente prefere tocar em lugares pequenos, onde dá para sentir o suor, o sangue e a história do bar.
RAÚL: E a história do bar.
WILLY: Exatamente, a história do bar…
MONTORO: Onde é caseiro…
WILLY: Sim, sim, sim, (risos). E a verdade é que tocar em lugares assim nos empolga muito. Claro que também gostamos de tocar em lugares grandes, mas o que a gente ama mesmo é tocar em espaços pequenos, onde conseguimos sentir as reações das pessoas ao que a gente toca. E, principalmente, sentir que elas cantam com a gente, mesmo inventando as letras, e que a nossa música realmente chega até elas. Um lugar bem curioso foi um show que fizemos na Bélgica: alguém filmou e tinha tipo um duende estranho lá, que levou um tapa e caiu no chão… depois voltou correndo como um doido para subir de novo. Tinha uns caras enormes por lá, mas como já aconteceu tantas vezes… a gente já tocou em tantos lugares, tantas vezes, com diferentes grupos… esse foi só o que me veio à cabeça agora… mas enfim, vocês têm algum show especial assim?
RUBÉN: Não… em geral cada show tem o seu próprio rolê, né… Mas o mais empolgante é ir a lugares onde nunca estivemos e ver coisas novas. Essa sensação de aventura é o que motiva… às vezes é incrível, outras vezes é uma merda (risos), mas no fim sempre rende uma boa história para contar.
WILLY: Agora lembrei de uma bem curiosa… Foi na época da pandemia, aqui na Catalunha, tava tudo fechado, não podíamos tocar em lugar nenhum. Aí rolou um show dois meses depois, sem a gente ter se visto antes, e tinha que ser transmitido ao vivo em vídeo, não era streaming gravado, era direto. Tocamos com nossos amigos do Danger (onde o Raúl tocava), Crim, e acho que mais alguém, mas não lembro agora. O lance é que a gente se encontrou pela primeira vez às três ou quatro da tarde, ficamos tão felizes que comemoramos até demais, então nem conseguimos falar muito antes do show. E foi muito estranho tocar diante de ninguém, mas, ao mesmo tempo, muito especial, foi super divertido e emocionante. Uma daquelas coisas curiosas da vida de banda…
MONTORO: Uma entre várias…
MADM: Como vocês veem o espaço do punk para bandas como a de vocês, que não cantam em inglês?
MONTORO: Pois perfeito! Eles nos deixam todo o espaço do mundo, não todas as vezes… Há muitas bandas, sobretudo na Espanha, que cantam em inglês, e sinceramente, para mim, pessoalmente, não faz muito sentido. Mas enfim, espaço tem para todo mundo, eu acho. A nível de cantar em castelhano, isso nos dava bastante vantagem em relação às outras bandas. Cantar em inglês é muito bom… não é nenhum desprezo, mas, no fim das contas…
RUBÉN: Bom, eu acho que… especialmente eu, que escrevo as letras… no final das contas, se você canta no seu idioma, seja ele qual for, castelhano, catalão, basco, português, tanto faz, você consegue se expressar melhor, consegue transmitir melhor o que quer dizer. É verdade que existe uma pressão, porque o inglês é visto como o idioma do rock, mas, sei lá… acho que é uma forma mais sincera de tocar. Porque, de certo modo, se você canta em inglês, acaba tentando reproduzir uma parada que não é totalmente sua…
MONTORO: É, possivelmente… mas acho que no final das contas tem espaço pra todos, claro. Mas é mais fácil no próprio idioma.
WILLY: Sim… até porque todos nós já tocamos em bandas que cantavam em inglês…
Tudo o que você fizer vai ser criticado. É assim. E, sinceramente, me dá nojo quando a galera só sabe criticar, principalmente em público. Então o ideal é deixar isso de lado, acreditar no que você está fazendo e seguir em frente.
Willy.

MADM: Com tudo o que já viveram, que conselho dariam para bandas ou artistas jovens que estão começando e sonham em conquistar seu espaço na cena?
RUBÉN: O conselho que eu daria é… não aceitem conselho de ninguém, muito menos da gente (risos). E não criem falsas esperanças (risos). Não, falando sério… porque no fim das contas, isso tudo é sobre se divertir. O lance é ser honesto consigo mesmo e não esperar nada. Porque tudo o que você conseguir vai ser através dos seus amigos e de você mesmo. A gente, por exemplo, sempre que tocou, acabou criando uma rede meio internacional, na qual fomos fazendo conexões com pessoas. E acho que o principal é isso: respeitar essa rede. O punk rock é uma tradição, é uma forma de artesanato, tem seus códigos — e dentro desses códigos estão essas conexões, que já existiam muito antes das redes sociais e de toda essa porcaria. No fim das contas, pessoas com interesses parecidos tendem a se juntar, e isso é o que tem de mais legal. O bom é isso: você pode dormir no sofá de um cara em Berlim que vai organizar um show pra você, depois você organiza um show pra ele, e isso vai criando uma sinergia comum. Esse é o valor disso tudo.
WILLY: Sim, eu diria principalmente: criar uma cena. E não só bandas, mas também promotores. Porque a música não é só feita pelos músicos, embora eles sejam superimportantes, mas também pelas pessoas que vão aos shows, por quem abre a garagem de casa pra deixar uma banda tocar. Como o Rubén falou: alguém que te recebe no sofá. Isso é o que sustenta tudo.
RUBÉN: Ou o cara que cozinha a marmita vegana.
WILLY: Exato, o cara que cozinha a marmita vegana. A esse eu sou muito grato (risos).
MONTORO: Música underground é underground.
RUBÉN: Exatamente. E não é só isso… O mais importante é que todo mundo faz parte ativamente. Não só quem toca música. No fundo, isso é de todos. Sei lá… por exemplo, em Barcelona tem o Vida Café, que é do Gabi, que também toca numa banda, mas que criou um espaço onde eles servem comida e, ao mesmo tempo, organizam festivais de hardcore e outras coisas. Então, no fim, tudo isso é de todos e de todas — e o essencial é respeitar esses códigos sempre.
WILLY: Sim, e acima de tudo, lembrar que sempre vai ter gente criticando. Tudo o que você fizer vai ser criticado. É assim. E, sinceramente, me dá nojo quando a galera só sabe criticar, principalmente em público. Então o ideal é deixar isso de lado, acreditar no que você está fazendo e seguir em frente. É isso que realmente cria uma cena. Então, mais do que conselho, só animo todo mundo a fazer parte da cena: como músicos, como público, como organizadores, como promotores, como vocês que estão aqui fazendo entrevistas. É isso.
RUBÉN: Não dê ouvidos aos idiotas, porque eles sempre vão estar por aí.
WILLY: É, eles vão embora e você vai continuar.
RUBÉN: Mantenha a coisa entre os seus amigos, mantenha underground e, acima de tudo, pega a van e sai tocando por aí. E é isso, chegamos ao fim. Foi um prazer, obrigadíssimo e nos vemos em São Paulo.