A ascensão do conservadorismo no rock

O rock (e digamos que a arte como um todo) sempre teve funções indispensáveis: questionar, provocar e, se tudo der certo, gerar mudanças. Chuck Berry incendiava as pistas com letras que falavam sobre juventude negra e branca em plena segregação americana; quando chegaram os anos 70, o punk gritava contra a austeridade e o autoritarismo; nos anos 90, bandas davam voz a movimentos e tornavam a política uma parte essencial de seu som. E hoje, o cenário é outro? Aparentemente, sim.

De juventude ansiosa por novidades à plateia engessada e nostálgica

O rock já foi sinônimo de inconformismo. Jovens se reuniam em subculturas, clubes, lojas de discos e bares para protestar por meio da música. Hoje, muitos consumidores que têm entre 30 e 50 anos, carregam a nostalgia incessante e um apego ao passado que se torna cego e nocivo.

Eles buscam a segurança daquilo que já é conhecido, resistindo às mudanças e adotando discursos conservadores. Esse comportamento é evidente em shows atuais: fãs pedem clássicos de décadas passadas (o que não tem problema nenhum, desde que você não esteja em um show autoral), criticam misturas de estilos e ignoram artistas femininas, LGBTQIA+ ou músicos de comunidades periféricas, além de acharem um absurdo falar sobre política. Em vez de encorajar a inovação e provocação, a audiência tenta domesticar o artista, tornando-o previsível, polido e politicamente neutro, quando, na verdade, a rebeldia sempre foi sua essência.

Dead Fish (ainda) chocando as pessoas, Ira! cancelado e RATM de direita

Um dos episódios mais emblemáticos desse choque de gerações aconteceu no Lollapalooza 2025. Dead Fish subiu ao palco e Rodrigo Lima não poupou críticas: mencionou diretamente Bolsonaro e questionou abertamente o sistema. O impacto foi imediato: enquanto parte do público aplaudia, outros se mostraram visivelmente desconfortáveis e (pasmem) chocados.

O Ira! também foi vítima dessa “confusão” quando Nasi, o vocalista, gritou ‘sem anistia’ aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. A reação foi imediata: vaias e pedidos de cancelamento de ingressos.
A produtora 3LM Entretenimento, responsável pela turnê Acústico 20 Anos, anunciou o cancelamento de quatro shows do Ira! nas cidades de Caxias do Sul, Jaraguá do Sul, Blumenau e Pelotas. A justificativa foi a desistência de patrocinadores e pedidos de cancelamento de ingressos após a manifestação política.

FOTO: Dayane Mello / @daymphotos

Mais um exemplo? Em 2020, um anúncio num site de classificados americano, o Craiglist, chamou a atenção ao buscar membros para uma banda chamada Youth of America, descrita como uma versão de direita do Rage Against the Machine (!!!!), afirmando: “Somos uma banda de orientação política conservadora e libertária… Nosso conteúdo VAI se tornar viral, então, buscamos um bom vocalista ou uma boa vocalista para encarar e lutar contra o pensamento liberal”.

Cinco anos depois, em 2025, um novo anúncio surgiu na mesma plataforma. Dessa vez, buscando baixista e baterista para formar uma banda com a proposta de ser uma versão, também, conservadora do RATM: “Pretendo cantar, tocar guitarra e compor muitas músicas revoltadas e gostaria de fazer turnês pela região abrindo eventos políticos. Também quero montar um repertório com covers voltados para a liberdade”.

O quão perdida está essa galera? Ser conservador dentro de um gênero que nasceu para quebrar regras é paradoxal. O rock em si sempre foi diversidade: dos riffs psicodélicos ao metal extremo, do folk elétrico ao indie. Quando fãs e artistas tentam preservar padrões rígidos, enfraquecem o gênero e afastam as novas gerações, perdendo relevância cultural. O conservadorismo é, na prática, uma forma de domesticar a arte e suas opiniões e isso nunca fez sentido.

O futuro está na inovação e inclusão

A continuidade deste gênero musical não será decidido por nostalgia ou fórmulas antigas. Ele está em bandas femininas, coletivos queer, artistas periféricos, misturas com ritmos latinos e africanos, e em quem tem coragem de usar a música como voz política por aqueles que não podem, ou não conseguem, se posicionar.
Se o gênero quer continuar vivo, seu público precisa abraçar a diversidade, inovação e protesto, e deixar de lado a mania de preservar um passado que, ironicamente, já era rebelde e contestador, mesmo que você não admita. Não é porque você envelheceu e se tornou chato, que as outras pessoas também precisam ser.

O rock de 2025 vive um paradoxo: enquanto muitos fãs e artistas se tornam conservadores, a essência do gênero (que é contestar, incomodar, provocar) permanece mais necessária do que nunca. Os episódios envolvendo Dead Fish e Ira!, por exemplo, mostram que quem consome deste estilo, muitas vezes, não entendeu nada do que está sendo dito.

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